Wednesday, February 20, 2008

The Manhattan Crowd




Mais de 1,500,000 pessoas vivem em Manhattan, num espaço inferior a 60 km2. O mesmo espaço inferior a 60 km2 recebe ainda, diariamente, outros tantos milhares: são as multidões que trabalham nesta ilha mas vivem nas suas regiões periféricas: Long Island, Brooklyn, Queens, Bronx e New Jersey. Somando tanta gente dá imensa gente, mais coisa menos coisa.

Ora multidão + ilha do tamanho de cabine telefónica (mentira, Manhattan é surpreendentemente gigantesco e duvido que uma longevidade de tartaruga fosse suficiente para esburgar tudo o que aqui acontece), repito multidão + ilha do tamanho de uma cabine telefónica extremamente grande = CAOS.


"Fogo", rebate a minha incredulidade à equação prévia. Calma, incredulidade, deixa-me prosseguir. Esta aparente babel cedo se revela enganadora. Bastam uns dias, ou mesmo umas horas submergidos nela para uma outrora avassaladora realidade nos acolher e, porque não, nos abraçar. Subitamente, vemo-nos envolvidos num bailado urbano de dimensão majestosa: são centenas de milhares de pessoas que se cruzam por estas geométricas ruas com uma sincronização maquinal; espaços formam-se onde anteriormente vivalma caberia, albergando quem agora se junta à corrente; a nórdica de um metro e oitenta e quatro, vinda agora do seu apartamento em uptown, caminha imediatamente atrás, mas ao seu próprio ritmo, do asiático que acabou de entregar um sushi combo mesmo ali ao lado, que por sua vez segue a pisada do perneta que com tanto ano de Manhattan consegue ditar e não atrofiar o ritmo de uma caminhada.
Aquilo que poderia aparentar, quando visto de fora, uma mecânica linha de montagem, sem saber como nem porquê, possui uma intensidade humana que a eleva do que poderia ser visto como deprimente, até ao mágico e, quem sabe se não, por vezes, de volta ao deprimente.
"Blá, blá, blá" - protesta a minha incredulidade - "então e o sangue?". Como dignificas o pronome "minha", incredulidade... Cá vai: como qualquer espectáculo ao vivo, também este não se encontra incólume ao erro: o mendigo embriagado que cai para os carris do metro; o advogado que escorrega na rua entretanto congelada; o louco que assedia quem já só pensa em chegar a casa e sair do frio. Pequenos espirros caóticos. Adiante.
Intrinsecamente humano, o bailado ganha nova dimensão ao fim de semana. Nessa altura, o indivíduo dá lugar ao par de namorados ou à familia, os olhares largam o chão e o sorriso espreguiça-se sem pudor nem quota. Passeios na 5th avenue, patinagem no Central Park, compras que começam caras no SoHo e cujo preço segue a direcção da caminhada rumo a Chinatown. O caos, esse, mantem-se; a ordem, no entanto, dá lugar à vida. É a mudança de turno.
São duas dimensões de Manhattan, dois actos de uma mesma peça.

"zzzzz" - a minha incredulidade dorme. "É correcto colocar aspas quando simulas a emissão de um som?" - disse ela, acordando propositadamente para me zombar. "Tem nome, é onomatopeia. Quanto às aspas, deixa-as estar, vou arriscar" - retorqui eu, algo incrédulo pela crescente importância desta figura com o avançar do texto.

2 comments:

TRA said...

optima a leitura deste texto ao som desta musica. optimo.

Tiago Rebelo de Andrade said...

Interessante este citado de Lourenço