Wednesday, April 16, 2008

5-3



Hoje vou ter sonhos em tons de Yannick. Quem remata tão atabalhoadamente com a profunda convicção de que "esta sim, vai entrar", merece ser figura de cartaz em qualquer sonho meu. Vamos esperar que a coisa não descambe para o erotismo. Não só por mim, mas também por Djaló.


Calhou à sina sportinguista serem raras as noites épicas em Alvalade - existem bastantes, mas muito espaçadas temporalmente e, principalmente, intercaladas por enormes banhos de água fria, o que inevitavelmente atenua as emoções (positivas).


Ora a noite de hoje terá rival num longínquo 7-1, numa época em que os jogos ainda se disputavam em 90 minutos! Recuando mais ainda e usurpando a memória ao senhor meu pai, este 5-3 e a forma como foi construído trará a lembrança duma épica remontada contra a Coreia, por parte duma selecção encabeçada pelo maior símbolo do nosso rival da noite de hoje, Eusébio.

Mas voltemos atrás, mais propriamente às 7 horas da tarde de hoje. Eu estava em casa. A minha boleia estava a sair do Estoril Open:
- Olha vai ter debaixo de casa do Menezes - disse-me Sonso, a dita boleia.
- Tás doido, já viste o que chove? - retorqui de sobrolho franzido.
- Vai pela sombra c$$$$$$! - boa ideia para quem está num estado impróprio à condução.
- Vou descer agora e fico à porta de minha casa.

Chegado à porta, estava um smart à minha espera e dois indivíduos a segurar nos respectivos genitais que se assomavam pela braguila - numa rua onde passam diariamente centenas de pessoas.

- Parem já de mijar, metam essas merdas pra dentro! - foi a exigência normal de quem é visto todos os dias nesta rua.
- É na boa, está a chover e varre esta merda toda - disse Gordo, o elemento a quem a lógica ainda não fugia totalmente nesta altura.

Quando vi o Sonso a abrir a porta traseira do Smart, percebi que não havia 2º carro e que iríamos os 3 nesta lata até Alvalade.
- Fecha aí esta merda - berrou-me.
E, a custo, lá coube. Hermeticamente não seria aqui uma hipérbole.

Com um olhar convenci Gordo a deixar-me ir a guiar e lá partimos. À noite, à chuva e com bêbedos - três factores que odeio ao guiar, juntos.
A viagem foi caótica: Sonso aos berros a martelar com o punho pelas superfícies do seu carro. Gordo a rir e a contar-me a tarde e a receita para se atingir o estado degradante do nosso companheiro na traseira. Eu sisudo com a perspectiva de aturar este último durante os próximos 90 minutos.

Adiante. Após nova entrada sofrível em Alvalade, lá encontrámos os nossos lugares. Estavam decorridos 3 minutos de jogo. Superior Sul, Bancada de cima, imediatamente atrás da baliza que naquele momento era defendida por Rui Patrício. Sonso aos berros como se estivesse no meio das claques era quem animava - e desconcertava - a bancada toda.

0-1, desagradável. 0-2, choque.

E eis que Sonso se ergue do lugar e começa a abrir caminho entre os espectadores da sua fila. "Amuou e vai-se embora" - pensei - "mas deixa aqui o casaco?". E começa o burburinho: Sonso descortinou um lampião que ousou celebrar o golo do seu clube no meio da família leonina. Um homem com um ar simples, de blusão rubro a cobrir uma barriga condizente com os seus 50 e poucos anos. A seu lado, o filho de 12 anos, com blusão de cor idêntica e uns olhos arregalados perante o que agora se sucedia: Sonso berrava com o homem, encharcando-o de perdigotos para de imediato os secar com o seu pujante bafo a álcool. O benfiquista tentava apaziguar os ânimos, gesticulando com as mãos que eram imediatamente rechaçadas por violentas estaladas.
Um sportinguista, do lado do benfiquista - pela situação aparentava ser genro deste último - tentava de maneira erradamente arrogante pôr água na fervura, adicionando-se com isso à lista de alvos a abater.
Tudo isto se passava comigo quatro cadeiras atrás, como quem aprecia uma boa novela, até que o bom senso me chamou a intervir. A custo - em termos caricaturados ele tem o dobro do meu tamanho-, trouxe Sonso de volta ao lugar, onde fiquei a escutar durante os próximos longos minutos todo um discurso - com o qual evidentemente concordava - sobre o quão deslocado estava aquele indivíduo e como na Luz tal jamais passaria sem punição. Mas Alvalade não é a Luz. Feliz e infelizmente.

Intervalo. 0-2 e uma total descrença que a equipa liderada por Paulo "IQ 10" Bento possa eventualmente combater a superioridade adversária.
Sonso quer ir ao wc e imagine-se quem está no caminho para a mesma: a família de há pouco. Novos inevitáveis distúrbios que culminam com o genro a soltar um tímido - tu não me voltes a empurrar. Sonso empurrou.
Enquanto estava na casa de banho, fiquei a olhar para o relvado e para as pessoas. Um tipo com uma irritante voz de melro tentava convencer outro a mudar de lugar para que se pudesse sentar junto do amigo. "Essa voz não merece favores", pensei. - Até mudava, porque aliás nem gosto muito deste lugar, mas essa tua voz patética de rouxinol fêmea irritou-me, por isso não vou poder facilitar - era o que me apetecia ter respondido.
"Este gajo está a mijar um dilúvio?" - e entrei para as zonas de bares à procura de Sonso que, naturalmente, já tinha ameaçado novo benfiquista. A caminho do lugar, novo benfiquista é acossado. E o resto é história.

Romagnoli sai de campo.
Moutinho faz o melhor jogo que alguma vez o vi fazer.
Vukcevic desiquilibra, Izmailov rasga, Derlei ressuscita, Liedson aparece, Sporting joga. E como joga. Um derby rico em emoções contrastantes que dá razão de ser ao nosso amor por um desporto que muitas vezes não o merece.

E dentro de um mês lá estaremos, no Jamor, onde quer ganhemos quer percamos, uma coisa é certa: sofreremos!

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